A Identidade dos Filhos de Deus em Gênesis 6


OS FILHOS DE DEUS E AS FILHAS DOS HOMENS


Gênesis 6.1-4

 

“E aconteceu que, quando os homens começaram a multiplicar-se sobre a face da terra e lhes nasceram filhas, viram os filhos de Deus que as filhas dos homens eram formosas; e tomaram para si mulheres de todas as que escolheram. Então disse o SENHOR: Não contenderá o meu Espírito para sempre com o homem, porque ele também é carne; porém os seus dias serão cento e vinte anos. Havia, naqueles dias, gigantes na terra; e também depois, quando os filhos de Deus entraram às filhas dos homens e delas geraram filhos; estes foram os valentes que houve na antiguidade, os homens de fama.”



DEZ MOTIVOS PARA CRER QUE ERAM ANJOS CAÍDOS


1º — De acordo com Gênesis 6.1, quem começou a multiplicar-se sobre a terra foi a humanidade — filhos dos homens, descendentes de Adão. O termo “começaram” indica o início da expansão da raça humana, e não de uma linhagem específica, como a de Caim.


2º — O termo “homens” vem do hebraico ’adam, referindo-se à espécie humana como um todo ou a Adão, não a um grupo restrito.


3º — Se adam se refere à espécie humana, então as “filhas dos homens” (bath adam) são mulheres de qualquer família humana, o que torna improvável a interpretação que restringe essas mulheres à linhagem de Caim.


4º — O texto diz que “os filhos de Deus viram que as filhas dos homens eram formosas”. Há aqui um contraste de natureza entre ambos. Se os “filhos de Deus” fossem a linhagem de Sete e as “filhas dos homens” a linhagem de Caim, surge a pergunta: por acaso não havia mulheres formosas entre as descendentes de Sete? Por que somente as da linhagem de Caim chamariam atenção?


5º — Em todo o Antigo Testamento, a expressão “filhos de Deus” (ben Elohim) refere-se sempre aos anjos: Jó 1.6; 2.1; 38.7; Salmos 29.1; 89.6; Daniel 3.25. Não faria sentido que apenas em Gênesis 6 essa expressão significasse homens piedosos.


6º — “Filhas dos homens” vem de bath adam — literalmente “filhas de Adão”. Tanto mulheres da linhagem de Sete quanto da de Caim são igualmente “filhas de Adão”, já que ambos descendem do mesmo pai.


7º — Gênesis 6.4 informa que surgiram gigantes (nefilins) a partir da união dos filhos de Deus com as filhas dos homens. Se “filhos de Deus” fossem apenas homens de Sete, e “filhas dos homens” mulheres de Caim, pergunto: desde quando a união entre homens piedosos e mulheres ímpias gera gigantes?


8º — O versículo afirma que aqueles gerados eram “os valentes da antiguidade, homens de fama”.
Se os nefilins fossem fruto da mistura entre linhagens humanas, deveriam ter sido extintos no dilúvio — pois somente Noé e sua família sobreviveram. Porém, a Bíblia registra gigantes depois do dilúvio:


1 - Os emins — Dt 2.10-11
2 - Ogue, rei de Basã — Dt 3.11
3 - Nefilins vistos pelos espias — Nm 13.33
4- Terra dos gigantes — Dt 2.19-20
5 - Anaquins remanescentes — Js 11.22
6 - Golias — 1Sm 17.4
7 - Gigantes mortos por Davi e seus guerreiros — 2Sm 21.15-22


A presença contínua desses povos gigantes demonstra que sua origem não pode ser explicada apenas pela união entre descendentes de Caim e Sete.


9º — Segundo o dr. Carlos Augusto Vailatti, a interpretação de que os “filhos de Deus” eram anjos é a mais antiga. Essa visão está presente em uma longa tradição judaica e cristã que vai do século III a.C. ao século V d.C. Entre esses testemunhos estão:


  • Judaicos: Septuaginta (III Séc. a.C.); 1 Enoque 6:1-4; 7:1-2 (II séc. a.C.); Jubileus 4:15; 5:6 (II-I séc. a.C.); 2 Enoque 18 (I séc. d.C.); 2 Baruque 56:10-14 (I séc. d.C.); Documento de Damasco, de Qumrã, CD 2:16-19 (I séc. d.C.); Filo de Alexandria, De Gigantibus 6-7 (I séc. d.C.); Flávio Josefo, Antiguidades Judaicas 1:73 (I séc. d.C.); Gênesis Apócrifo 2:1 (I séc. d.C.); Targum Pseudo-Jonatan de Gn 6:1-2,4 (II séc. d.C.).

     

    Cristãos: Justino Mártir, 2 Apologia 2:5 (II Séc. d.C.); Irineu de Lyon, Demonstração 18; Contra as Heresias 16:2 (II séc. d.C.); Atenágoras, Um Apelo aos Cristãos 24 (II séc. d.C.); Clemente de Alexandria, Miscelâneas 5:1,10 (II-III sécs. d.C.); Tertuliano, Sobre a Idolatria 9; Contra Marcião 5:18; Sobre o Véu das Virgens 7 (II-III sécs. d.C.); Lactâncio, Instituições Divinas 2:15 (III-IV sécs.); Eusébio de Cesaréia, Preparação 5:5 (III-IV sécs. d.C.); Ambrósio de Milão, Noé e a Arca 4:8 (IV séc. d.C.); Jerônimo, Hebreus 6:4 (IV-V sécs. d.C.); Sulpício Severo, História 1:2 (IV-V sécs. d.C.).


Ou seja, essa interpretação não é invenção moderna — é a mais antiga e amplamente atestada.


10º — Judas cita o episódio diretamente:


“Aos anjos que não guardaram o seu principado, mas deixaram a sua própria habitação (oiketerion)…” — Jd 6

 

Eles deixaram seu estado original e assumiram outra “habitação”, termo que em Paulo (2Co 5.2) também se refere a corpo.


E qual foi o pecado deles?


“Assim como Sodoma e Gomorra… havendo-se entregue à fornicação, indo após outra carne…” — Jd 7

 

Sodoma pecou indo após outra carne — homens com homens.
Os anjos, por sua vez, foram após “outra carne” no sentido inverso: seres espirituais assumindo forma corpórea e mantendo relações com mulheres humanas.


Pedro confirma:


“Deus não perdoou aos anjos que pecaram…” — 2Pe 2.4

 

Tudo aponta para o mesmo evento de Gênesis 6.


Conclusão


    Com base em todas essas evidências — linguísticas, contextuais, históricas e bíblicas — creio que “os filhos de Deus” de Gênesis 6.2,4 eram, de fato, anjos caídos.


    Diante de tamanha quantidade de testemunhos antigos e coerência textual, é injustificável que alguém seja rotulado como louco ou herege simplesmente por adotar essa interpretação clássica sobre os anjos que pecaram e a origem dos nefilins.




Julio Celestino - 15 de Março de 2019, Vitória, Espírito Santo. 



[1] Revista Vértices No. 15 (2013) pg. 99, (http://revistas.fflch.usp.br/vertices/article/view/1459/1928) acessado em 16/02/2019.
*Dicionário consultado: Strong's Exhaustive Concordance of the Bible via software The Word

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